segunda-feira, 11 de abril de 2011

| BARRETOS, SP | TENTATIVA DE TRIPLO HOMICÍDIO | CÃO SALVA A VIDA DE TRÊS MULHERES E DO PRÓPRIO AGRESSOR |

A ação do cão fulminou a tentativa do triplo homicídio que resultou em lesões corporais das envolvidas (Código Penal, Artigo 129).

Disponibilizada no Diário da Justiça Eletrônico de 15 de Março de 2011, Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I São Paulo, Ano IV - Edição 911, Páginas 694/5, a decisão judicial relata as ocorrências em que destaco o cão salvando a vida das vítimas e do próprio autor do crime, pois, em virtude da postura canina, o réu se evadiu do local e o triplo homicídio não se consumou.

Leia:

Processo nº 066.01.2008.011225-1/000000-000 - Controle nº 000984/2008 - Partes: JUSTIÇA PÚBLICA X HENRIQUE FLAVIO SIQUEIRA SOPA MEIRINHOS - Fls.: 170 a 172 - Vistos. HENRIQUE FLÁVIO SIQUEIRA SOPA MEIRINHOS, qualificado nos autos, está sendo processado como incurso nas penas do art. 121, parágrafo 2º, incisos II e IV, c.c. art. 14, inciso II e art. 69, ambos do Código Penal, porque no dia 27 de setembro de 2008, por volta das 06h10min, na Avenida 41, nº 51, centro, Barretos/SP, com intento homicida, por motivo fútil e emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima, desferiu golpes de faca nas vítimas Camila Maria Pires França, Isaura Bernardo França e Letícia Maria Pires França, causando os ferimentos descritos nos laudos de exame de corpo de delito juntado a fls. 11/16, não consumando o delito por circunstâncias alheias à sua vontade. Narrou a acusação que HENRIQUE e Camila namoraram por cerca de três anos. Porém, diante do vício em entorpecentes e da agressividade dele durante o relacionamento, Camila terminou o namoro no início do mês de setembro. Não conformado com o rompimento do namoro, HENRIQUE passou a proferir ameaças de morte contra Camila, sua genitora Isaura e sua irmã Letícia. No dia 06 de setembro de 2008, Camila compareceu na Delegacia de Polícia e noticiou as ameaças de morte proferidas pelo réu. No dia dos fatos, por volta das 05h30min, HENRIQUE invadiu a residência das vítimas e foi até o quarto de Isaura, onde Camila dormia com sua genitora. HENRIQUE pulou sobre Camila e lhe desferiu um soco no rosto; Isaura interveio em defesa de sua filha e também foi agredida pelo investigado com um soco no rosto; HENRIQUE novamente voltou-se contra Camila e, de inopino, desferiu-lhe um golpe de faca, atingindo-a na região do pescoço; Isaura, mais uma vez tentou desvencilhar sua filha do denunciado, ocasião em que este desferiu um golpe de faca em seu rosto. Imediatamente, Letícia também ingressou no quarto e empurrou HENRIQUE, que investia contra Isaura, momento em que o indiciado também desferiu um golpe em Letícia, atingindo-a no pescoço. Ato subseqüente, o cachorro das vítimas adentrou o imóvel e avançou contra o agressor, fazendo com que este se evadisse do local sem conseguir consumar sua intenção delitiva. Os crimes de homicídio não se consumaram por circunstâncias alheias à vontade de HENRIQUE, visto que, após desferir os primeiros golpes contra as vítimas, estas reagiram e, em ação conjunta e com o auxílio do cachorro, conseguiram resistir à investida contra suas vidas, fazendo com que HENRIQUE se evadisse do local. A denúncia foi recebida em 01.10.2008 (fls. 39/40). Aditamento da denúncia em 03.07.2009 (fl. 71). Citado (fls. 73vº), o réu ofertou defesa preliminar às fls. 75/76. Sobreveio a decisão de fls. 78. Em audiência foram ouvidas as vítimas e testemunhas às fls. 87/145. O Ministério Público apresentou memorial (fls. 148/154), pugnando desclassificação dos fatos para o delito do art. 129, caput, do Código Penal por três vezes. A defesa, a seu tempo (fls. 158/167), buscou também a desclassificação ou a extinção da punibilidade do réu. É o relatório.Fundamento e decido. O feito comporta julgamento, desvinculando-se o Magistrado que colheu a prova, em razão de merecida aposentação. Constou da denúncia que o acusado desferiu golpes de arma branca em Camila Maria Pires França, Isaura Bernardo França e Letícia Maria Pires França, causando os ferimentos, apenas não se consumando seu intento homicida por circunstâncias alheias à sua vontade. No caso vertente, a desclassificação é medida que se impõe, pois há indícios suficientes de autoria de delito diverso daquele capitulado na denúncia. A materialidade das agressões encontra-se comprovada pelo boletim de ocorrência (fls. 03/04), auto de exibição e apreensão (fls. 27), laudos (fls. 11/16 e 58/67) e pela prova oral coligida aos autos. Quanto à autoria, as provas dos autos demonstram que foi o réu o autor da agressão sofrida pelas vítimas Camila, Isaura e Letícia. Contudo, não se verificou a presença do animus necandi. Interrogado em Juízo, o réu informou que não tinha a intenção de matar as vítimas. Não estava na posse de uma faca, os ferimentos foram causados por chave de motocicleta que segurava na mão, na ocasião. Confessou ter agredido a vítima Camila devido a discussão. Afirmou que desferiu cerca de três ou quatro socos na vítima Isaura e que desferiu  um soco na vítima Letícia, evadindo-se do local por espontânea vontade (fls. 137/145). A vítima Camila Maria Pires França afirmou que namorou o acusado por cerca de três anos. Terminou o relacionamento em virtude do comportamento agressivo do acusado que era usuário de drogas. Na data dos fatos o réu arrombou a porta de sua residência, adentrou no quarto em que dormia com sua genitora e desferiu golpes de faca contra a ofendida e sua genitora. A irmã Letícia também sofreu um golpe de faca, que ainda foi agredida com socos, bem como sua genitora Isaura e sua irmã Letícia. Depois dos fatos chegou a reatar o relacionamento com o acusado, ficando com ele por quatro meses. O acusado não é pessoa agressiva e na ocasião dos fatos aparentava estar drogado (fls. 87/92). Isaura Bernardo afirmou que sua filha Camila namorava o acusado e este passou a ser agressivo. Na data dos fatos o acusado arrombou a porta de sua residência, adentrou no quarto em que dormia com sua filha Camila e agrediu ambas com socos. Sua filha Letícia ao perceber o ocorrido foi até o quarto e segurou o acusado, ocasião em que foi agredida com um soco. Não soube dizer se a intenção do acusado era de feri-las com a faca ou se foi sem querer e que em momento algum o acusado tentou lhe enfiar a faca (fls. 93/100). Letícia Maria Pires França afirmou que na data dos fatos dormia no quarto ao lado quando acordou em virtude do barulho em sua residência. Foi até o quarto em que sua genitora Isaura e sua irmã Camila dormiam e viu o acusado em cima de sua genitora, ocasião em que puxou o réu, ocasião em que este veio a lhe desferir um soco. O réu não a agrediu com faca, a intenção dele era dar um soco na ofendida, mas como a faca estava na mão do réu, esta lhe atingiu. Disse que o acusado não ameaçou as vítimas de morte e em nenhum momento tentou lhe enfiar a faca (fls. 101/106). Paulo Sérgio da Silva, policial militar, disse que atendeu a ocorrência no local dos fatos. Foi informado de que o ex-namorado da vítima Camila havia invadido a residência dela, agredindo-a com uma faca, bem como sua genitora Isaura e sua irmã Letícia. As vítimas apresentavam ferimentos, que as vítimas informaram que o acusado arrombou a porta da cozinha e foi até o quarto a vítima Camila estava. No mesmo sentido as declarações prestadas pelo seu colega de farda, André Luiz do Carmo Penha, às fls. 112/114. Diogo Vilela Bernardo afirmou que é primo das vítimas Camila e Letícia e sobrinho da vítima Isaura. Na data dos fatos dormia na residência quando ouviu um barulho vindo do quarto das vítimas Isaura e Camila, que foi até o quarto ocasião em que avistou o acusado em cima de sua tia Isaura e com uma faca no pescoço de Camila. A vítima Letícia tentou ajudar mas também foi agredida pelo acusado (fls. 115/119). Hilda Bernardo afirmou que na data dos fatos sua  irmã Isaura lhe telefonou informando do ocorrido. Na residência das vítimas havia muito sangue no quarto, cozinha e no banheiro, que já teria ido em certa ocasião até a delegacia da mulher com a vítima Camila para registrar ocorrência contra o acusado (fls. 120/124). João Henrique de Castro, Célia Maria Siqueira Sopa e João Paulino da Silva Filho, ouvidas em juízo pouco vieram a acrescentar, sendo depoimentos de pessoas que não presenciaram os fatos narrados na denúncia, apenas tecendo comentários a respeito da conduta social do acusado (fls. 125/134). Dos depoimentos acima transcritos, resta incontroverso que o acusado não aceitava o fim do relacionamento com a vítima Camila, caracterizando rotineira, mas censurável, “briga de casal”. Não se verificou tivesse o réu a intenção de matar as vítimas, a despeito da falta de civilidade e agressividade condenáveis. Inconveniente, portanto, a pronúncia do acusado, vez que sua conduta não se subsume a nenhum tipo penal doloso contra a vida. Nesse mesmo modo, assiste razão à defesa quando requer a desclassificação para lesão corporal leve, pois restou suficientemente provada a ilicitude. De outro lado, deve-se dar oportunidade às vítimas para ofertarem ou não a representação, não prosperando a alegação de pronta declaração da decadência, uma vez que, em casos que tais, esta deve se dar a partir da desclassificação, uma vez que originariamente aos fatos houve capitulação de crime que não dependia da condição de procedibilidade. Posto isso, o réu HENRIQUE FLÁVIO SIQUEIRA SOPA MEIRINHOS, RG nº 48.288.597-x, qualificado nos autos, deve responder por delitos diversos daqueles capitulados na denúncia (art. 121, parágrafo 2º, incisos II e IV, c.c. art. 14, inciso II e art. 69, ambos do CP), DESCLASSIFICANDO-SE os crimes imputados para o previsto no art. 129, caput, do Código Penal, por três vezes, nos termos da fundamentação. Depois do transito em julgado desta, intimem-se as vítimas para oferecimento de representação, em trinta dias, sob pena de decadência, aplicando-se, por analogia (artigo 3º, do Código de Processo Penal) o disposto no artigo 91, da Lei nº 9.099/99, que dispõe nos casos em que esta lei passa a exigir representação para a propositura da ação penal pública, o ofendido ou seu representante legal será intimado para oferecê-la no prazo de trinta dias, sob pena de decadência. Após, abra-se vista dos autos ao Ministério Público para que analise eventual cabimento de proposta de transação penal, suspensão do processo ou até a extinção da punibilidade, tornando os autos conclusos para deliberação. P. R. I. Barretos, 22 de novembro de 2010. LUCIANO DE OLIVEIRA SILVA. Juiz de Direito.

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