sábado, 16 de julho de 2011

Festa de Peão de Boiadeiro de Quatá. Queima de Fogos. Insegurança. Morte. Indenização de 600 mil reais

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O dinheiro do povo pagou pela festa, precariamente organizada, e também vai pagar pela indenização fixada na medida judicial.
Leia a íntegra da sentença judicial proferida no processo 486.01.2006.01476-6, Fórum de Quatá, Vara Única.

Processo nº. 486.01.2006.001476-6 Controle nº. 735/06 VISTOS ETC SONIA REGINA FRIZANDO PINHEIRO, NATÁLIA CRISTINE FRIZANCO PINHEIRO (representada por sua mãe) e ANNY CAROLINY FRIZANCO PINHEIRO propuseram a presente Ação de Indenização por Danos Morais contra MARCO ANTONIO DE PAULA SANCHES FERNANDES, YANKEE SHOW – FOGOS DE ARTIFÍCIO LTDA, COMISSÃO ORGANIZADORA DA FESTA DO PEÃO DE BOIADEIRO DE QUATÁ (composta por Marcelo de Souza Péchio, José Ceolim, Miguel Cândido Bastos, Júlio César Pedro, Valentim Dalla Pria, Antonio Farcia Filho, José Balejo, João Andréia, Gabriela Anderaos Maia, Felipe Molinari, Rodolfo Veríssimo, Marluce de Castro Ceolim, Terezinha J. R. Salmeron, Jamil Martins Askar, José Carlos Antunes, Wolney Dalla Pria Júnior, Luiz Adilson Guimarães Alves, José Sebastião dos Santos, Luiz Fernando Roncada da Silva, José Álvaro Brites, Adão Carlos Balbinot, Marcelo dos Santos Alfini, Léo Roberto de Moraes Arroyo, Miguel Faustino da Mota e Renato Choma), e LUIZ ROGÉRIO PAITL. Afirmam que eram, respectivamente, esposa e filhas de Júlio César Pinheiro, o qual faleceu em 10 de junho de 2.006 em virtude de “traumatismo crânio encefálico, laceração da cabeça e da face, objeto projetado por explosão de fogos de artifício”, em acidente ocorrido durante evento promovido e organizado pelos réus. Narram que naquele dia foram até a festa de peão promovida nesta cidade de Quatá, juntamente com Júlio César Pinheiro. Naquela noite ocorrera um show artístico de uma banda musical na “arena do rodeio” montada no recinto da aludida festa, logo após o qual foi montada uma “queima de fogos” com produtos da ré Yankee Show e organizada pelo co – réu Marco Antonio. As luzes foram apagadas para o início da queima de fogos e logo depois ocorreu uma grande explosão, sendo arremessado um artefato que deveria estar cheio de fogos de artifício contra a platéia, atingindo várias pessoas, dentre elas a vítima Júlio César Pinheiro, o qual veio a falecer em virtude dos ferimentos sofridos. Aduzem que os fogos foram montados muito próximos da cerca que separa a arena da arquibancada e de forma muito rápida, logo após o show de música, em virtude de pressão exercida pela comissão realizadora do evento, que não queria atraso em sua programação. Indicam que a Comissão foi responsável pela organização da festa, contratando o co – réu Luiz Rogério para “montar” o evento, tendo este contratado a empresa Yankee Show, a qual por meio de seu preposto Marco Antonio, realizou a fatídica queima de fogos que culminou com o falecimento do marido e pai das autoras, de modo que todos são solidariamente responsáveis pela reparação dos danos morais por elas suportados em virtude da prematura perda do ente querido. Requerem a procedência, com a condenação dos réus a, solidariamente, repararem os danos morais que lhes foram causados, mediante o pagamento de valor correspondente a 3.000 salários mínimos, corrigidos desde a propositura da demanda. A inicial foi instruída com documentos (fls. 20/107). Citada (fls. 111), a Comissão Organizadora da Festa do Peão de Boiadeiro de Quatá apresentou contestação, na qual aduz, preliminarmente, ilegitimidade passiva, pois que não ostenta personalidade jurídica própria, sendo constituída como mera preposta do Município de Quatá para a organização da festa, formulando nomeação à autoria, denunciação da lide ou chamamento ao processo em relação a este. No mérito, afirma que foi constituída por ato do Prefeito Municipal, sem que tenha atuado com finalidade lucrativa; que o fato ocorrido era imprevisível, caracterizando-se como caso fortuito; que não praticou conduta ilícita; que não agiu com culpa, pois não contratou diretamente a empresa responsável pelos fogos de artifício e que a vítima ingressou gratuitamente no recinto do rodeio, impugnando o valor pleiteado a título de danos morais. Pugna pela extinção sem resolução do mérito, pelo ingresso do Município de Quatá no pólo passivo ou, em caso contrário, pela improcedência do pedido, juntando documentos (fls. 150/236). Marco Antonio de Paula Sanches Fernandes e Yankee Show Fogos de Artifício Ltda. apresentaram contestação, na qual aduz, preliminarmente, a inexistência de capacidade processual por parte da Comissão organizadora do evento. No mérito, afirmam que não agiram com culpa, requisito necessário para a caracterização da responsabilidade civil que lhes é imputada, tendo observado todo o procedimento de segurança relacionado à instalação de fogos, caracterizando-se o evento como caso fortuito ou de força maior, além de impugnarem o valor postulado a título de danos morais. Pugnam pela improcedência, juntando documentos (fls. 246/254). Formularam, ainda, o chamamento ao processo do MUNICÍPIO DE QUATÁ, juntando documentos (fls. 262/263). Luiz Rogério Paitl, citado, apresentou contestação, afirmando, preliminarmente, a inexistência de capacidade processual por parte da comissão organizadora do rodeio e sua ilegitimidade para figurar no pólo passivo da demanda, afirmando que realizou a contratação da empresa responsável pelos fogos de artifício a mando do Município de Quatá e da comissão organizadora do evento, não auferindo nenhum lucro com isso. No mérito, afirma que o acidente não foi ocasionado por culpa de ninguém, pois que a empresa responsável pelos fogos de artifício procedeu à queima da forma como costumeiramente fazia, não se constatando nenhuma irregularidade em sua atuação, além de impugnar o valor postulado a título de reparação por danos morais. Pugna pela extinção do processo sem resolução do mérito ou, em caso contrário, pela improcedência, juntando documentos (fls. 279/286). Réplica às fls. 294/298, 300/306 e 308/310. Impugnaram as autoras, ainda, o chamamento ao processo postulado por Yankee Show e Marco Antonio de Paula (fls. 290/292). Manifestou-se o Ministério Público (fls. 320v). Foi aceito o chamamento ao processo, determinando-se a suspensão do processo, na forma do art. 79 do CPC, e a citação do Município de Quatá (fls. 321). Citado (fls. 326), o Município de Quatá apresentou contestação ao pedido principal, afirmando, preliminarmente, que a Comissão Organizadora foi instituída por Decreto Municipal, assumindo eventual responsabilidade desta, em sendo o caso. Quanto ao mérito propriamente dito, afirma que não houve culpa de sua parte, caracterizando-se o ocorrido como caso fortuito e que eventual responsabilidade deve ser atribuída aos co – réus, salvo a comissão organizadora do evento, além de impugnar a caracterização e o valor postulado a título de danos morais. Pugna pela improcedência (fls. 328/336). Réplica às fls. 338/341. Manifestou-se o Ministério Público (fls. 343/345). Saneador às fls. 347/349, ocasião em que foram decididas as questões preliminares argüidas nas respostas. Realizou-se audiência de conciliação, instrução, debates e julgamento, na qual foram tomados os depoimentos pessoais dos réus Marco Antonio de Paula, Luiz Rogério Paitl e Comissão Organizadora, esta por meio de seu representante, bem como inquiridas quatro testemunhas (fls. 381/389 e 523/524). Foram inquiridas seis testemunhas por meio de cartas precatórias (fls. 427, 445/446, 466/467, 498 e 513/516). Memoriais das partes às fls. 526/533, 535/544, 546/567, 570/576 e 578/580. Manifestou-se o Ministério Público, pela procedência, com a condenação dos réus ao pagamento de valor equivalente a um mil salários mínimos em favor de cada autora, a título de reparação pelos danos morais ocasionados (fls. 582/596). É o relatório. Decido. No concernente à preliminar de ilegitimidade passiva arguida pela Comissão Organizadora em seus memoriais, a questão já foi analisada no momento do saneamento do feito (fls. 347/349), decisão em relação à qual foi interposto, inclusive, agravo retido (fls. 361/368), e que ora mantenho por seus próprios fundamentos. Quanto ao mérito, o pedido é procedente. Verifica-se que Júlio César Pinheiro, pai e marido das autoras (fls. 23 e 26/27), faleceu no dia 10 de junho de 2.006 em virtude de traumatismo crânio – encefálico por fratura dos ossos da calota craniana e face com perda de massa encefálica (fls. 24 e 91/92), lesão provocada por tubo de aço projetado da arena à arquibancada durante queima de fogos realizada no rodeio comemorativo do aniversário do Município. A responsabilidade dos co - réus, por sua vez, emerge dos elementos de prova carreados aos autos. Em relação ao co – réu Marco Antonio de Paula Sanches Fernandes, denota-se, por suas próprias declarações, que foi quem realizou diretamente a montagem dos fogos de artifício naquela ocasião, informando possuir qualificação técnica para tanto (fls. 381/382). A atuação culposa de sua parte, por sua vez, evidencia-se pelas próprias circunstâncias do caso. De fato, ficou demonstrado que o réu utilizou explosivo de considerável potencial, sem adotar as cautelas que lhe eram exigíveis naquelas circunstâncias, pois que procedeu à montagem do equipamento na arena principal do evento, sem adotar uma distância segura do público do espetáculo. Assim, a prova oral carreada aos autos é unívoca no sentido de que a estrutura relacionada à queima de fogos de artifício foi montada na arena principal do evento (fls. 381/382 e 385/389). O depoente Aparecido de Souza, que assistia ao espetáculo naquela ocasião, indicou, inclusive, que os fogos foram montados a uma distância de cerca de quinze metros da arquibancada na qual se encontrava o público (fls. 388). A escassa distância entre o local em que se encontrava referida estrutura e a arquibancada na qual situado o público é corroborada, ainda, pelo próprio resultado do acidente, tendo em vista a violência com que o artefato metálico utilizado, pesando 3,89 kg, foi arremessado contra a platéia (fls. 99), ocasionando a morte da vítima. Tal fator demonstra, também, a utilização de explosivo de alto potencial; não fosse assim e não teria propiciado a violenta projeção de um artefato com quase 4 kg, produzindo o rompimento de uma chapa metálica com mais de 2 cm de espessura (fls. 99). Os riscos inerentes à utilização de fogos de artifício de alto potencial são de conhecimento notório; era de se exigir, portanto, que o representante de empresa especializada procedesse à montagem do respectivo equipamento em local isolado, com adequada distância do público. Cabia ao réu, desta forma, realizar a montagem do equipamento fora da arena principal, por detrás de tal estrutura, como bem posto pelo Ministério Público em sua manifestação final, medida simples e viável que certamente teria evitado maiores conseqüências no caso de alguma falha ou acidente sem nenhum prejuízo para o espetáculo. De se ressaltar, no ponto, que as testemunhas inquiridas às fls. 427, 445/446, 466/467, 498 e 513/516 não presenciaram os fatos, sendo que muitas delas sequer estavam no local em que estes se deram, limitando-se a afirmar que o réu possui experiência com queima de fogos e já obteve premiações por isso, o que em nada interfere na configuração de sua responsabilidade pelo evento em questão. Caracterizada, portanto, a negligência do réu, o qual deixou de observar cautelas simples e necessárias para se evitar as conseqüências de possível falha ou acidente em queima de fogos de artifício de alto potencial, realizada em evento com grande público, mormente em se considerando que se trata de representante de empresa especializada em tal atividade, derivando sua responsabilidade do disposto no art. 186 c.c. art. 927, ambos do CC. A responsabilidade da co – ré Yankee Show – Fogos de Artifício Ltda., por sua vez, deriva do fato de ter sido contratada para realizar a queima de fogos no evento que culminou com o falecimento da vítima, fazendo-o por meio de um preposto seu, o co – réu Marco Antonio de Paula Sanches Fernandes (fls. 75/86), o que, aliás, restou incontroverso nos autos. Tal responsabilidade é objetiva, seja porque a atividade normalmente desenvolvida pela ré, consistente em “comércio e prestação de serviços na execução de shows pirotécnicos com fogos de artifícios, com a finalidade de diversões públicas” (fls. 77 e 84 – cláusula terceira do contrato social, que define o objeto da sociedade), claramente implica, por sua própria natureza, risco para direitos alheios, em virtude do material empregado para tanto (explosivos componentes de fogos de artifício), enquadrando-se no disposto no art. 927, parágrafo único, do CC, seja porque o resultado lesivo foi diretamente provocado pela atuação negligente de um preposto seu, como acima ressaltado, enquadrando-se no estabelecido no art. 932, III, c.c. art. 933, ambos do CC. Também a responsabilidade do co – réu Rogério Paitl está caracterizada, pois, em que pese sua negativa ao afirmar em seu depoimento pessoal que apenas intermediou a contratação da empresa responsável pelos fogos de artifício, ficou comprovado que ele próprio a contratou. Com efeito, o documento de fls. 43 demonstra que a Comissão Organizadora do evento, após deliberação, aprovou a proposta formulada por Rogério Paitl, contratando-o para promover a festa. Tal contratação, aliás, também resultou incontroversa nos autos, sendo confirmada tanto pelo próprio réu como pelo presidente da Comissão Organizadora, em seus depoimentos pessoais (fls.383/384 e 385/386); aquele apenas nega ter contratado em seu próprio nome a empresa responsável pelos fogos de artifício, afirmando que apenas a indicou para a Comissão. A versão apresentada pelo réu ficou, no entanto, isolada nos autos, sendo frontalmente contrariada pelos demais elementos probatórios. Assim, o presidente da Comissão Organizadora, Felipe Molinari, inquirido em juízo, afirmou que contratou a empresa de Rogério Paitl, a qual, por sua vez, contratou a empresa responsável pelos fogos de artifício. Informou, ainda, que os pagamentos eram feitos diretamente para aquele, que repassava posteriormente os valores devidos para cada empresa que por ele era contratada, bem como que foi contratado um “pacote” com o réu, o qual se responsabilizou por negociar com empresas que prestassem os serviços que ele não fornecesse diretamente (fls. 385/386). Marco Antonio de Paula Fernandes, por sua vez, afirmou que a empresa foi contratada por indicação de Rogério Paitl; que este lhe telefonou, informando que a Prefeitura tinha autorizado realização de queima de fogos; que a contratação foi feita verbalmente, por intermédio de Rogério. Informou que a nota de saída dos fogos utilizados foi expedida em nome da Prefeitura, mas que não recebeu o respectivo pagamento (fls. 381/382). Ouvido em inquérito policial que versou sobre os mesmos fatos em questão, no entanto, o depoente afirmou peremptoriamente ter sido contratado por Rogério Paitl (fls. 50). O orçamento acostado às fls. 164, por sua vez, indica que Rogério Paitl se responsabilizou, dentre outros, pelo serviço de queima de fogos, corroborando o depoimento prestado pelo presidente da Comissão Organizadora, acima referido. De ver-se que o próprio Município procedeu à devolução da nota fiscal que lhe fora enviada pela empresa responsável pelos fogos de artifício, com a informação de que tal serviço era de responsabilidade de seu contratado, Rogério Paitl (fls. 262). O próprio réu, aliás, se contradiz em seu depoimento pessoal, pois, ao mesmo tempo em que afirma ter apenas intermediado a contratação da empresa de fogos de artifício pelo Município, informa que tal contratação foi realizada de forma verbal, sendo que ele próprio entrou em contato com aquela, além de ter reconhecido sua assinatura no orçamento dantes referido (fls. 383/384). Evidente, portanto, que o réu Rogério Paitl foi contratado pela Comissão Organizadora para a montagem completa do rodeio, sendo a queima de fogos abrangida pelo orçamento por ele apresentado, integrando os serviços por ele fornecidos. Rogério Paitl, portanto, procedeu à contratação da empresa Yankee Fogos (e exatamente para isso, dentre outros serviços, fora ele contratado pela Comissão Organizadora do evento). Logo, a empresa de fogos ostentou, naquele ato, a qualidade de preposta do réu, acarretando sua responsabilidade objetiva pelos danos ocasionados no exercício de sua atividade, na forma do disposto no art. 932, III, c.c. art. 933, ambos do CC. Rogério Paitl, de sua vez, foi diretamente contratado pela Comissão Organizadora, donde decorre a responsabilidade desta pelos danos ocasionados à autora. Tal contratação, novamente, ficou incontroversa nos autos, sendo demonstrada pelos depoimentos pessoais de fls. 383/384 e 385/386, bem como pela documentação de fls. 43 e 163/164. Embora tenha sido alegada como matéria preliminar, já analisada por ocasião do saneamento do feito, cabe ressaltar que não há que se falar em inexistência de responsabilidade da Comissão Organizadora por falta de personalidade jurídica própria. De fato, além dos argumentos tecidos naquela oportunidade (fls. 347/349), depreende-se que a aludida Comissão Organizadora atuou com plena autonomia no concernente a tarefa de organizar, divulgar, coordenar e realizar o evento no qual ocorreu o acidente. Assim, por exemplo, a decisão de contratar Rogério Paitl foi tomada após deliberação de seus membros (fls. 42/43); tal contratação foi efetivada verbalmente entre membros da Comissão e o contratado (fls. 383/384 e 385/386); a comissão realizava pagamentos para o contratado em nome próprio, mediante recibo (fls. 163), bem como dispunha de conta bancária aberta em nome próprio para o depósito de valores arrecadados a título de donativos da comunidade para a realização do evento (fls. 385) A autonomia que caracterizou a atuação da Comissão Organizadora, inclusive quanto à gestão dos recursos financeiros arrecadados junto à comunidade, aproxima – a da condição de agente delegado do Poder Público, tal como uma concessionária ou permissionária, implicando-lhe a correspondente responsabilidade pelos atos daqueles que a representem. Vale dizer, embora inegavelmente tenha atuado na qualidade de agente público “lato sensu”, a Comissão agiu com plena autonomia, firmando contratos de forma verbal, gerindo recursos financeiros arrecadados junto à comunidade, etc, sem se submeter diretamente ao crivo do Município; não agiu, portanto, meramente “em nome” deste, seguindo ordens ou instruções suas, o que acarreta a possibilidade de responsabilização autônoma pelos danos provocados a terceiros. Em situação semelhante, aliás, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais afirmou a responsabilidade de comissão organizadora por acidente ocorrido em evento por ela organizado, em julgado com a seguinte ementa: “AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - RESPONSABILIDADE CIVIL - MENOR GRAVEMENTE FERIDO EM EXPLOSÃO DECORRENTE DE FOGUETE, QUANDO DA REALIZAÇÃO DE ESPETÁCULO PIROTÉCNICO PROMOVIDO PELO MUNICÍPIO ATRAVÉS DE COMISSÃO ORGANIZADORA - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA - CULPA OBJETIVA DO MUNICÍPIO - DEVER DE INDENIZAR - DANOS MATERIAIS E MORAIS - FIXAÇÃO DO "QUANTUM". O Município responde objetivamente pelos danos causados aos administrados, conforme preceito da CF 37, § 6º. Somente deixa de ser responsabilizado se demonstrar que o dano ocorreu por culpa exclusiva da vítima. Pela indenização responde o Município e a Comissão Organizadora de festa popular, se menor púbere sofre lesão física, com perda de uma das mãos e parte da outra, em decorrência de explosão de fogo de artifício produzido por pessoa não habilitada e por eles contratada. Quando o direito é violado, ou o causador do prejuízo é não apenas uma pessoa, mas um grupo de pessoas, todas e cada uma de per si devem reparar o dano, ou seja, cada um dos agentes que participam do ato ilícito é considerado pessoalmente como produtor do dano e, conseqüentemente, obrigado à reparação integral. É devida a indenização por danos materiais quando está provado que o autor, em decorrência da lesão sofrida, perdeu parcialmente a sua capacidade laborativa, e por danos morais se patenteada a ofensa, por ato ilícito do agente, a direitos integrantes da personalidade e ao sentimento de auto-estima da vítima. Na fixação da indenização por danos morais, deve-se levar em consideração sua gravidade objetiva, a personalidade da vítima, sua situação familiar e social, a gravidade da falta, e as condições do autor do ilícito.” (7ª Câmara Cível - AC nº. 1.0461.96.004798-7/001 – Comarca de Ouro Preto – Rel. Des. Wander Marotta, j. em 04.10.2005, publicado em 08.11.2005, v.u., disponível na pesquisa de jurisprudência do “site” oficial daquela Corte). O co – réu Rogério Paitl, responsável pela contratação da empresa de fogos de artifício, foi contratado diretamente pela Comissão Organizadora, caracterizando-se, portanto, como seu preposto, o que gera sua responsabilidade objetiva pelos danos causados naquele evento, a teor do disposto no art. 932, III, c.c. art. 933, ambos do CC. Resta a análise da responsabilidade do Município pelos danos ocasionados às autoras. E também neste ponto ficou plenamente caracterizada a responsabilidade civil do referido ente público por aquele evento. Isto porque, embora tenha atuado com ampla autonomia, como acima afirmado, certo é que a Comissão Organizadora detinha a qualidade de agente público, entendido como tal toda pessoa que de alguma forma esteja vinculada juridicamente ao ente público, ainda que sem vínculo típico de trabalho ou como mero colaborador sem remuneração. No presente caso, a Comissão Organizadora foi criada por ato Municipal para o fim de “organização, divulgação, coordenação e realização” do evento no qual ocorrido o acidente; logo, vinculada juridicamente ao Município, mesmo dispondo de autonomia e atuando de forma gratuita. Por consequência, responde o Município pelos danos que a Comissão Organizadora, na qualidade de sua agente, ocasionou a terceiro, com possibilidade de exercício de posterior direito de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, na forma do disposto no art. 37, §6º, da CF. Não prospera, ainda, a tese comum apresentada pelos réus no sentido de que o ocorrido se caracteriza como caso fortuito ou de força maior. O art. 393, parágrafo único, do CC, define o caso fortuito ou de força maior como o “fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”. Não obstante o dispositivo legal empregue as expressões como sinônimas, a doutrina estabelece distinção entre elas, constituindo-se o caso fortuito como um evento imprevisível e, por isso, inevitável, enquanto a força maior se consubstancia em um evento inevitável, ainda que previsível, por superar as forças do agente, normalmente se caracterizando por algum fato da natureza, como uma tempestade, enchente, etc. O caso fortuito, portanto, caracteriza-se pela imprevisibilidade, enquanto que a força maior se caracteriza pela inevitabilidade; por serem fatos estranhos à conduta do agente, excluem o nexo de causalidade, afastando a responsabilidade civil. No presente caso, no entanto, não se vislumbra a existência de fato imprevisível ou inevitável que tenha acarretado o incidente, tal como pretendem os réus. Ora, é claramente previsível a possibilidade de acidentes no que concerne à utilização de fogos de artifício, pois que o material utilizado, por sua própria natureza, acarreta risco à integridade física, o que, aliás, é aferível pelo próprio senso comum quanto a tal atividade, bastando que se atente para as campanhas de orientação realizadas em períodos em que se há o costume de utilização daquele material, como festas juninas e ano novo. E exatamente por isso é de se exigir maiores cautelas daqueles que exploram tal atividade comercialmente, produzindo queimas em eventos de acesso a grande de público, como na situação ora sob análise. Previsível a possibilidade de acidente, verifica-se que este era evitável, bastando, para tanto, a adoção de medida simples, como a montagem do equipamento necessário para a produção da queima por detrás da estrutura da arena principal do evento, em uma distância razoável da platéia, como exposto anteriormente. Não há que se falar, portanto, em caso fortuito ou força maior. Os danos morais decorrem do próprio falecimento prematuro e violento da vítima, fato que por sua própria natureza gera grave sofrimento, aflição e angústia à sua esposa e filhas, acarretando a violação de direito inerente às suas personalidades. Em outras palavras, o dano moral, no presente caso, decorre da própria ofensa, sendo um resultado a ela inerente (“in re ipsa”), o que é aferível por comum regra de experiência. O nexo de causalidade, de seu turno, está plenamente demonstrado pelas circunstâncias do caso, pois que os danos morais são decorrentes do falecimento do marido e pai das autoras, resultado que foi diretamente provocado pela negligência do co – réu Marco Antonio de Paula Fernandes ao montar os equipamentos na arena principal, a pouca distância do público, gerando, em relação aos demais, a cadeia sucessiva de responsabilidade civil objetiva acima referida, lastreada no art. 932, III, c.c. art. 933, ambos do CC, e no art. 37, §6º, da CF. Presente, pois, os elementos necessários para a caracterização da responsabilidade civil dos co – réus, de forma solidária, na forma acima delineada, impõe-se a procedência do pedido formulado pelas autoras. Resta a fixação do valor devido a título de reparação pelos danos morais ocasionados, pois que se trata do único pedido formulado pelas autoras. E para tanto devem ser observados determinados critérios, tais como a gravidade da conduta, a condição econômica das partes, o grau de repercussão do fato em suas esferas íntimas e suas idades, a fim de que a reparação seja estabelecida com proporcionalidade, ensejando certa reparação pelo mal ocasionado, sem produzir enriquecimento ilícito por parte de quem a recebe. Neste ponto, verifica-se que são diversos responsáveis pela reparação, sendo um ente público, bem como empresa e pessoas que atuam com empreendimentos relacionados a festas de rodeio e são amplamente reconhecidas no respectivo setor, como se afere das provas orais produzidas (fls. 427, 445/446, 466/467, 498 e 513/516). O fato, por sua vez, alcançou gravidade ímpar, vez que acarretou o falecimento da vítima, que na época contava com 44 anos de idade, produzindo intenso sofrimento em seu núcleo familiar, constituído pelas autoras, as quais ficaram prematuramente privadas da participação de seu marido e pai em suas vidas. Uma das filhas, aliás, contava com 11 anos na data do falecimento de seu pai (fls. 26), ficando privada de sua companhia e orientação durante seu desenvolvimento para a vida adulta. Em atenção a tais fatores, mormente a gravidade da conduta e do resultado provocado, além das condições pessoais e repercussão do evento na esfera íntima das autoras, tenho que se mostra razoável a fixação da reparação no valor de R$ 200.000,00 para cada uma delas, montante que não implica em enriquecimento indevido. Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado por SONIA REGINA FRIZANDO PINHEIRO, NATÁLIA CRISTINE FRIZANCO PINHEIRO (representada por sua mãe) e ANNY CAROLINY FRIZANCO PINHEIRO contra MARCO ANTONIO DE PAULA SANCHES FERNANDES, YANKEE SHOW – FOGOS DE ARTIFÍCIO LTDA, COMISSÃO ORGANIZADORA DA FESTA DO PEÃO DE BOIADEIRO DE QUATÁ (composta por Marcelo de Souza Péchio, José Ceolim, Miguel Cândido Bastos, Júlio César Pedro, Valentim Dalla Pria, Antonio Farcia Filho, José Balejo, João Andréia, Gabriela Anderaos Maia, Felipe Molinari, Rodolfo Veríssimo, Marluce de Castro Ceolim, Terezinha J. R. Salmeron, Jamil Martins Askar, José Carlos Antunes, Wolney Dalla Pria Júnior, Luiz Adilson Guimarães Alves, José Sebastião dos Santos, Luiz Fernando Roncada da Silva, José Álvaro Brites, Adão Carlos Balbinot, Marcelo dos Santos Alfini, Léo Roberto de Moraes Arroyo, Miguel Faustino da Mota e Renato Choma), LUIZ ROGÉRIO PAITL e MUNICÍPIO DE QUATÁ, com fundamento no art. 269, I, do CPC, e condeno os réus, solidariamente, a efetuarem o pagamento de R$ 200.000,00 para cada uma das autoras, num total de R$ 600.000,00, pelos danos morais que lhes foram ocasionados, montante que deverá ser corrigido monetariamente desde o ajuizamento da demanda e acrescido de juros legais desde a data do evento (10 de junho de 2.006). Condeno os réus ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 15% do valor total da condenação, em atenção aos critérios estabelecidos no art. 20, §3º, do CPC, mormente a natureza e duração da causa, bem como o trabalho desempenhado pelo advogado das autoras. Cada réu responderá pelos honorários em igual proporção. P.R.I.C. Quatá, 08 de fevereiro de 2.010 Guilherme Duran Depieri. Juiz de Direito

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